quinta-feira, 19 de junho de 2014

Uma câmera paciente nas mãos de Tsai Ming-Liang: Trazendo na bagagem o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza 2013, estreou em São Paulo, no CineSesc, exclusivamente, STRAY DOGS (2013)


Se existir uma linguagem da forma, em cinema, ela está em "Cães Errantes" (Stray Dogs)(2013). Considerando que o sucesso de um filme depende em grande parte de um bom roteiro, atribuir-se a este a análise de "Cães Errantes", seria por demais escorregadio. Não que não tenha uma bela história; também não é este o caso, mas o critério deste filme reside em outra leitura. Saímos do cinema hipnotizados pelo trabalho conduzido pela técnica. Que parâmetro fantástico da câmera, seja teleobjetiva, fixa, indireta, etc...! Nada passa despercebido; pequenos movimentos são preciosíssimos, assim como a lentidão encenada oferece um percurso de reflexão existencial ao espectador; uma troca perfeita entre o realizador e o público. "Stray Dogs" utiliza o recurso do tempo, na câmera imóvel. Tsai Ming-Liang, grande atuação na 37º Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (2013), cineasta malaio, presentifica elementos entre o tempo, sons, corpos e espaços ocupados: a figura dos animais agrupados é tão sombria quanto a do homem, colocando-os em igual condição. Essa cena é um desafio para a câmera: a necessidade de resgatar um sentido de sobrevivência às duas criaturas. Não há muita diferença entre a lentidão gestual canina, ao sinalizar um sentido de obediência por parte dos animais, na espera do alimento. Joga o diretor com critérios híbridos, fortalecendo a noção de equilíbrio (para citar somente uma cena, em que o protagonista sugere tentativa de esforço de se manter em pé, com a placa de anúncio, em local desconfortável e chuvoso), na verdade, assegurar ao sistema nervoso central suas funções de se manter em pé, justapõe-se à condição humana em que enfrenta. O direito à moradia, inalienável ao indivíduo, discute o seu papel de enfrentamento ontológico no mundo capitalista, igualmente. A obra de Tsai Ming-Liang cobra do "ser" a medida do racional. Provoca o espectador em vários momentos longínquos, com o peso do espaço, atingindo suspense, quase sempre. A câmera imóvel tenta captar o máximo da realidade espacial. Nada argumenta tanto como um cinema formal, nesta obra de Ming-Liang. É a pura excelência cênica e plena participação do público: esta reciprocidade do espectador é grandiosa, facultando a ele a tarefa de pontuar sobre o papel do roteiro, tal o esforço de reflexão dispensado na história do filme. Lee Kang Sheng ("E Lá, Que Horas São?" (2002)) protagoniza um homem e pai de família que, material e moralmente, permanece em luta contínua. No entanto, a denúncia da história recai sobre a irracionalidade da natureza física imediata, biológica, do mundo em que o circunda. Provoca intensa participação e reflexão da plateia, a partir do rigor cenotécnico. (Stray Dogs/Jiao You) Taiwan/França, 2013, 138 min. 18 anos Direção Tsai Ming-Liang. Elenco Lee Kang Sheng, Yang Kuei Mei, Lu Yi Ching. Editor: Fátima

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