Se existir uma linguagem da forma, em cinema, ela está em "Cães Errantes" (Stray Dogs)(2013). Considerando que o sucesso de um filme depende em grande parte de um bom roteiro, atribuir-se a este a análise de "Cães Errantes", seria por demais escorregadio. Não que não tenha uma bela história; também não é este o caso, mas o critério deste filme reside em outra leitura. Saímos do cinema hipnotizados pelo trabalho conduzido pela técnica. Que parâmetro fantástico da câmera, seja teleobjetiva, fixa, indireta, etc...! Nada passa despercebido; pequenos movimentos são preciosíssimos, assim como a lentidão encenada oferece um percurso de reflexão existencial ao espectador; uma troca perfeita entre o realizador e o público. "Stray Dogs" utiliza o recurso do tempo, na câmera imóvel. Tsai Ming-Liang, grande atuação na 37º Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (2013), cineasta malaio, presentifica elementos entre o tempo, sons, corpos e espaços ocupados: a figura dos animais agrupados é tão sombria quanto a do homem, colocando-os em igual condição. Essa cena é um desafio para a câmera: a necessidade de resgatar um sentido de sobrevivência às duas criaturas. Não há muita diferença entre a lentidão gestual canina, ao sinalizar um sentido de obediência por parte dos animais, na espera do alimento. Joga o diretor com critérios híbridos, fortalecendo a noção de equilíbrio (para citar somente uma cena, em que o protagonista sugere tentativa de esforço de se manter em pé, com a placa de anúncio, em local desconfortável e chuvoso), na verdade, assegurar ao sistema nervoso central suas funções de se manter em pé, justapõe-se à condição humana em que enfrenta. O direito à moradia, inalienável ao indivíduo, discute o seu papel de enfrentamento ontológico no mundo capitalista, igualmente. A obra de Tsai Ming-Liang cobra do "ser" a medida do racional. Provoca o espectador em vários momentos longínquos, com o peso do espaço, atingindo suspense, quase sempre. A câmera imóvel tenta captar o máximo da realidade espacial. Nada argumenta tanto como um cinema formal, nesta obra de Ming-Liang. É a pura excelência cênica e plena participação do público: esta reciprocidade do espectador é grandiosa, facultando a ele a tarefa de pontuar sobre o papel do roteiro, tal o esforço de reflexão dispensado na história do filme. Lee Kang Sheng ("E Lá, Que Horas São?" (2002)) protagoniza um homem e pai de família que, material e moralmente, permanece em luta contínua. No entanto, a denúncia da história recai sobre a irracionalidade da natureza física imediata, biológica, do mundo em que o circunda. Provoca intensa participação e reflexão da plateia, a partir do rigor cenotécnico.
(Stray Dogs/Jiao You) Taiwan/França, 2013, 138 min. 18 anos
Direção Tsai Ming-Liang.
Elenco Lee Kang Sheng, Yang Kuei Mei, Lu Yi Ching.
Editor: Fátima
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