sexta-feira, 16 de maio de 2014

"REPARE BEM" (2012), documentário sobre fatos ocorridos durante o período da ditadura militar


Compõem este filme relatos de interesse aos debates acerca do enfrentamento pela verdade, de um período anestesiado da sociedade brasileira. Assim, também faz parte do quadro de "Cinema pela Verdade" que vem sendo apresentado pela UNIFESP Guarulhos (EFLCH), no Anfiteatro do Prédio Provisório, bairro - Macedo, no centro daquela cidade, ao lado de outros. São esforços de criar condições de desestabilizar os critérios que se desenvolveram para o norte do esquecimento ou da amnésia que se abateu sobre esse período.  A cineasta portuguesa possibilitou um registro direto, simples, embora dolorido, retilíneo: narrativo. De Maria de Medeiros, "REPARE BEM" (2012) é um documentário integrante da Trigésima Sexta Mostra Internacional de Cinema São Paulo 2012; 95 minutos; produção (Brasil–França–Itália); com gravações percorridas entre janeiro e outubro de 2011, na Holanda, Brasil e Itália; Prêmios "Kikito" de Ouro, de Melhor Longa-metragem Estrangeiro na 41ª edição do Festival de Cinema de Gramado, Prêmio Dom Quixote, concedido pelos Cineclubes, e Prêmio da Crítica, como Melhor Filme Estrangeiro, todos em Gramado (2013).
Trata-se do relato sobre os fatos ocorridos durante o período da ditadura militar,  para a urgência da memória,  em desdobramento aos direitos humanos, e da ordem possível que clama, apesar das reações colaterais manifestas pelo fluxo temporal do processo democrático brasileiro, a legitimidade do esclarecimento. Tem uma pretensão da competência pedagógica da sociedade, portanto, dos critérios que avançam em direção à universalidade do Estado, sob a denúncia do particular: dos membros familiares atingidos. E é no ímpeto da análise do indivíduo vitimado que se submete a narrativa do filme, onde eles próprios apresentam muitas vezes, objetos, fotografias, ou seja, demonstrações presentes, de responsabilidade histórica. 
Denise Crispim e a filha Eduarda Ditta Crispim Leite foram reconhecidas pela Comissão de Anistia e Reparação no Brasil, formas em que o governo brasileiro reconhece publicamente a necessidade de indulgência. Todavia, a ONU e o Direito afirmam que o dever de reparação é política de Estado, mas não de governo. Uma vez violados os direitos humanos, o Estado deve tomar para si a responsabilidade dos danos causados. A instituição de programas materiais e coletivos também faz parte de uma reparação, além da simbólica, reproduzindo publicamente as desculpas às vítimas e aos filhos ou netos, como foi o caso da filha de "Bacuri", homenageada à frente da mãe e das autoridades centrais do Ministério da Justiça (registrado no filme). Este último se legitima no uso de suas funções entre o próprio país e as cooperações internacionais. A saber, as reparações materiais protegem os direitos de restituição e serviços disponibilizados de moradia, educação e saúde, etc...às vítimas, sejam coletivas ou individuais. 
A diretora de cinema Maria de Medeiros, não sem razão, mas fazendo jus ao faro artístico que lhe é devido, retira das circunstâncias atuais, ideias benéficas de acrescentar ao filme nuances filosóficas, como a presença do apartamento de Denise Crispim, companheira de Eduardo Collen, o mesmo onde foi filmado "Una giornata particolare" (1977, Ettore Scola). De acordo com citação de Denise no documentário: "Pode não ter sido este apartamento o local em que foram gravadas as cenas, mas sim, algum semelhante, na mesma entrada". 
Em uma construção que se impõe, cujas sacadas dão para o páteo interior do prédio, formando um entorno, de forma que os apartamentos de janelas avantajadas em cores pasteis, componham o principal cenário do envolvimento dos personagens, vizinhos solitários e desconhecidos até então: esta é a coincidência encontrada na história de Scola. Acabam se conhecendo em um dia de 1938, em visita do Führer à Itália. As marcas do fascismo estão presentes na vida dois dois, quando Antonieta, dona de casa e mãe de vários filhos, conhece Gabrielle, um radialista recém-demitido, às vésperas de dar cabo de sua vida. A relação surgida entre os dois presume a solidão diante da ditadura, representada pelo país naquele momento. Ela, mulher de um fascista, contracena com o vizinho recém-conhecido, homossexual, por sua vez. Entretanto, aquilo que deve prevalecer em ambos os filmes, no documentário de Medeiros e no filme de Scola é a expectativa da ideia do indivíduo enquanto ser ontológico, e como ambos se relacionam aos atributos da experiência existencial diante da barbárie; atrocidades da ditadura, do nazismo e do fascismo. 
Seria esta expectativa histórico-ontológica, uma garantia de sobreviventes, para que o Estado possa justificar uma reparação?
“REPARE BEM” integra o projeto “Marcas da Memória” da Comissão de Anistia, com parceria da Cinemateca Brasileira e apoios da FADEPE-JF (Fundação de Apoio e Desenvolvimento do Ensino da Pesquisa e Extensão de Juiz de Fora), CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), FITEE (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), Sindicomerciários Caxias do Sul (Sindicato dos Empregados no Comércio de Caxias do Sul) e Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região.
Roteiro: Maria de Medeiros, auxílio de Ana Petta Fotografia: Maria de Medeiros, Daria D’Antonio, Louis Hanon, Bruno Pozzitrev Montagem: Maria de Medeiros, Manoel de Sousa Produtor: Maria de Medeiros, Minnie Ferrara, Agustí Camps, Ana Petta Produção: Projeto Marcas da Memória, Comissão de Anistia e Reparação, Ministério da Justiça do Brasil, Instituto Via BR.
Do Editor: Fátima

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